IDIOSSINCRASIA GRUPAL E O AIKIDO

A idiossincrasia de um grupo se constrói através do tempo?

Alguns elementos que compõem esta construção, se alicerçam nos valores, objetivos e crenças, que formam com o passar do tempo, um consciente coletivo, reforçados pela valorização histórica de seu passado, deixando através de um trabalho interno de seus membros, a memória de seus antepassados e suas realizações, a valorização até um certo ponto mítica, de seus alicerces são partes da história e da identidade dos grupos e estes devem estar sempre presentes na mente dos membros do grupo.

No caso do grande grupo dos praticantes de Aikido, no plano mundial, a permanente divulgação sobre os primórdios do Aikido tem se dado através de livros, vídeos e pela dedicação daqueles Senseis e Shihans no mundo todo que permanentemente vem divulgando este legado, tanto aos seus discípulos como ao público em geral, seja através de verbalizações “in person” ou através da internet.  Em grupos “menores”, como organizações e Dojos filiados ou vinculados ao Hombu Dojo(Japão), a divulgação e valorização desses elementos devem ser trabalhados e exercidos, necessariamente por todos, incluindo os instrutores e senseis, além de eventualmente todos os praticantes mais antigos, vem divulgando seguidamente, valores e fatos históricos da organização, que não devem nunca ser esquecidos por todos nós.

Ao escrever este texto me veio à lembrança de um elemento importante do caráter do Shihan Kawai: a bondade e a capacidade de perdoar seus desafetos. Por ser um líder forte, determinado e com muitas responsabilidades, muitas vezes algumas pessoas levavam algumas de suas decisões para o terreno pessoal. Hoje, aos quase 70 anos, vislumbro como é complexo lidar com os nossos semelhantes dentro de um grupo ou organização e vejo que um dos motivos para isso é que as pessoas se sentem incomodadas e desconfortáveis é por que pensam e avaliam os acontecimentos, do grupo ou organização, sem ter uma visão do todo de toda a sua idiossincrasia, numa comparação simplista, seria como um paciente que não tem todas as informações, objetivas, subjetivas e interações complexas de seu tratamento e fica desgostoso com o seu médico, por não entender o tratamento a que está sendo submetido, claro que por mais que ele seja informado, nunca vai ter a mesma visão e entendimento que o médico, mas não resta dúvida de que quanto mais dermos informações a ele, mais próximo ele estará de uma situação onde dificilmente haverá algum grave desconforto ou contrariedade em relação ao que o terapeuta lhe recomendou. No caso de um grupo ou organização esta função de disseminar as informações que ajudaram a formar essa percepção idiossincrática é daqueles membros mais antigos que tem um viés de formador de opinião, nossos “apóstolos”. Mas ser um disseminador de todos estes elementos dentro de um grupo traz muitas responsabilidades, como veremos a seguir.

Os perigos inerentes na formação da idiossincrasia de grupo.

Em um experimento dos anos 50, muito comentado no meio acadêmico, cientistas comportamentais americanos levaram para um acampamento, em uma ilha, adolescentes que se viam pela primeira vez. Ao desembarcarem foi distribuído a cada adolescente de uma forma aleatória, uma camiseta de cor azul ou vermelha, de forma que ficaram todos inseridos e identificados como participantes de um dos dois grupos. daquele momento em diante todas as atividades dos grupos eram feitas em separado e comiam em horários diferentes, dormiam em alojamentos distintos e nas brincadeiras, jogos e práticas esportivas, formavam equipes adversárias. 

O experimento teve que ser interrompido antes da “deadline” determinada, em função de as disputas em jogos terem se tornado violentas e com brigas despropositadas entre os Azuis e Vermelhos. Vale lembrar que nos anos seguintes diversos outros experimentos confirmaram esse fenômeno. Após um longo tempo de estudos têm surgido diversas teorias tentando explicar as origens do fenômeno, algumas no campo da Sociologia outras no campo da Antropologia, mas de alguma forma todas remetem a um sentimento, talvez atávico, de proteção e preservação, e desta maneira começa a brotar a falsa percepção de que tudo que tem em nosso grupo é melhor e mais valioso do que o outro ou os outros de modo geral. Este mecanismo foi muito valioso e benéfico, para a nossa espécie, num passado não muito distante, foi valioso e benéfico para a sobrevivência de diversos grupos humanos e pré-humanos, assim como tem sido também para diversos grupos animais que vivem em bandos. Mas no atual momento de nossa “evolução”, cabe uma pergunta este fenômeno ou mecanismo assim como está registrado em nossa herança primal, é benéfico ou maléfico?

Penso ser maléfico na medida em que ele de alguma forma toma corpo nos nossos comportamentos grupais destrutivos em disputas entre grupos radicais de torcedores clubísticos, grupos religiosos, raciais, políticos e outros grupos que se formam e hão de se formar no futuro, isto não quer dizer que nestes grupos nominados sempre vá haver uma tendência  a violência, mas é onde históricamente, eles mais se manifestam, a história recente de nosso País e de alguns outros demonstra cabalmente esse pensamento.

Mas por outro lado é benéfico por oportunizar ao homem realizar diversos feitos que levaram a uma excepcional melhora na qualidade de vida do ser humano, se analisarmos toda a trajetória histórica da humanidade sobre a terra, os grandes avanços sempre foram conseguidos através do esforço e trabalho de grupos, isto se vê na ciência, por exemplo, desde a criação da lâmpada, que não foi a criação de apenas um homem, mas o trabalho de um grupo em função de uma ideia, passando pela criação da primeira “máquina  computacional” moderna, Colossus, que daria início e sentido para os computadores modernos, trabalho que foi realizado por Alan Turing em conjunto com um grupo de cientistas com o intuito de decifrar os códigos secretos criados pela máquina enigma da Alemanha Nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, e ainda passando pelas grandes conquistas espaciais de Americanos e Soviéticos levadas a cabo sempre por grupos de homens que se engajaram com dedicação total a uma causa, até um dos últimos grandes feitos que foi o sequenciamento do Genoma Humano, que só foi possível após um um monumental projeto de trabalho grupal, conhecido como Projeto Genoma Humano (PGH), que durou 13 anos, o PGH foi composto por 17 países que iniciaram programas de pesquisas sobre o genoma humano. Os maiores programas foram realizados na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, República Popular da China, Coreia do Sul, Dinamarca, Estados Unidos, França, Israel, Itália, Japão, México, Países Baixos, Reino Unido, Rússia e Suécia e outros países com menor participação.

Como vimos cabe a cada um de nós fazer o melhor uso desse poder inerente ao ser que é o de formar grupos. Talvez um remédio para quando estivermos em dúvida quanto a entrar na ’’onda’’ seria nos fazermos perguntas do tipo; Isto está em acordo com os meus valores? Isto é realmente uma vontade minha ou do grupo? Devemos fazer melhor uso de nossa consciência.

Cabe aqui também a pergunta, que tipo de grupo vamos escolher participar e se associar, a grupos maléficos ou benéficos? Mas aqui cabe outro questionamento, como identificar se um grupo é benéfico ou maléfico?

Para isso poderíamos nos fazer algumas perguntas esclarecedoras: 

  1. Os objetivos do grupo levam a valores como respeito a vida como um todo sem distinção de idade cor, religião ou qualquer outro tipo de segregação?
  2. As ferramentas e meios para atingir os objetivos do grupo respeitam a integridade e  a individualidade dos que não fazem parte do grupo?
  3. Os valores do grupo vão ao encontro dos meus?

Pensem sobre isso, estou a disposição para troca de idéias em vargas.aikido@gmail.com


R. Vargas

Vargas Aikido

INSBRAI